TEATRO DA COMUNIDADE CRISTO OPERÁRIO
(1957)

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  • DEPOIMENTOS (2/3)
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    Depoimento de Maria Thereza Vargas
    Exposição REVER ESPAÇOS
    Centro Cultural, 1983
    Acervo Flávio Império; Prefeitura de São Paulo/ Secretaria Municipal de Cultura/ Centro Cultural São Paulo

    © Maria Thereza Vargas

    “Cantei, dancei, toquei piano”, “recitei nas festas escolares”, declarava Flávio Império em conversas e depoimentos. Anunciava assim seu pluralismo artístico e intensa curiosidade pelas letras, sons e movimentos. Não me disse que desenhava, nem que pretendia pintar quadros. Mas certamente não era contrário às artes plásticas, porque vi uma vez o desenho seu em uma sessão infantil – não me lembro em que jornal.

    No entanto, o gênero humano e suas histórias o atraíam. E por que não seus ambientes? Formou-se em arquitetura em 1961, mas já nessa época fascinava-o a aventura de juntar a ficção com a realidade, ainda que no caso ela fosse efêmera. Volta-se para o teatro, que já conhecera no tempo do colégio, atuando em alguma peça do dramaturgo Martins Penna (1825-1848), sob direção do futuro grande homem de teatro Geraldo Mateus.

    Suas primeiras experiências datadas de 1956/1957 como encenador, cenógrafo e figurinista principiaram em volta de uma capela, com murais de Alfredo Volpi, em um jardim planejado por Roberto Burle Marx. Tratava-se da Comunidade de Trabalho Cristo Operário, na então longínqua Estrada do Vergueiro, em São Paulo. Em um núcleo orientado pelo dominicano João Batista dos Santos, vindo de uma experiência como padre-operário de Saint Étienne, na França, Flávio montou com as crianças da pioneira Escolinha de Arte, criada por Cynira Stocco e Sabá Gervásio, Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado.

    Se já não era louvável crianças representando, esse modesto espetáculo proporcionou ao cenógrafo/figurinista diálogos sui generis. O que era o mar, já que estavam tão longe dele? O que era um pirata, de que cor era esse mar? Azul? Verde, alguns responderam. E a cor verde, via Flávio, dominou o espetáculo.

    Se faço esse preâmbulo é porque julgo as experiências nesse pequeno palco (4 X 3 metros?) fundamentais em sua carreira. Com operários e pequenos funcionários, Flávio aprendeu novos mundos. Com a exiguidade do teatrinho, a exigência da síntese e do essencial. Com a pobreza de meios, a riqueza transmutável dos materiais em volta. Assim foi que em uma brincadeira de Jean Anouilh (1910 – 1987), dramaturgo francês, um parque foi sugerido por bolas de gás coloridas, presas a um gradil de arame retorcido. A delicadeza das bolas não abandonava sua verdadeira condição, mas emprestava sua flexibilidade e suas cores para fazer um jardim florido.

    A exiguidade dos palcos perseguia-o nos primeiros ambientes de trabalho. Flávio Império inventou uma cenografia para o pequeno espaço cênico do Teatro de Arena de São Paulo, no qual utensílios, adereços, objetos de cena e figurinos tivessem tal potencialidade, também dramática, que interagissem com as palavras dos textos e dos atuantes. Para Morte e vida Severina (1960) no Teatro Natal (São Paulo), o fortalecimento visual apoiou-se em materiais nunca antes utilizados na cena brasileira: estopa, algodão crú engomado, papelão corrugado e cola de madeira, usados no cenário, nos figurinos e nas máscaras. Mente criativa aguçada, no primeiro esboço tudo lhe vinha à cabeça.

    Tubos de aço da marca Mannesmann em Um bonde chamado desejo (1962), num Teatro Oficina de duas platéias, não demarcavam somente territórios. Eles atenuavam pela aparente leveza, a atmosfera opressiva ao redor da ultrassensível personagem Blanche Dubois.

    Se os palcos de pouco espaço, a pobreza de meios e a falta de técnicos especializados nos primeiros tempos suscitaram em Flávio Império o artista/artesão manipulador dos mais variados materiais, as viagens pelos interiores do Brasil, o contato com nova gente e suas artes também acrescentaram ao seu poder criativo, novas luzes, novos tons e tecidos simples de flores singelas.

    Grandes achados iluminando uma nova fase, trazendo uma alegria de viver (a mesma procurada pelo artista) aos seus personagens e seus ambientes, tristemente fictícios.

    MARIA THEREZA VARGAS

    TEATRO DA COMUNIDADE CRISTO OPERÁRIO
    (1957)