O CENÁRIO
O cenário que está no palco deste teatro não é o primeiro que Flávio Império imaginou para Reveillon. Seu primeiro projeto levava o apartamento da decadente família criada por Flávio Márcio para espaços muito além do realismo. Mas os quase 20 anos de palco deram ao cenógrafo a certeza de que um espetáculo nunca é uma manifestação individual de criatividade. Flávio Império discutiu suas idéias com o diretor, com os atores, com o autor. E encontrou, dentro do seu processo criativo, o meio termo que melhor coincidiu com as exigências e a criatividade de todos os que construíram Reveillon. Entrelaçando sua imaginação a esses limites e exigências, Flávio soube encontrar a melhor saída. Capaz de reunir em torno dela as idéias do autor, as necessidades do diretor, a aprovação entusiasmada dos atores e, até mesmo, a expectativa do público. O que, pelo menos pra ele, não representa nenhuma novidade. Afinal, foi esta capacidade de encontrar sempre a melhor saída que fez de Flávio um dos mais influentes e criativos profissionais de toda a história do teatro brasileiro. Esta é sua imagem pública, que o cenário de Reveillon reflete. Outra, mais íntima, está neste texto que el mesmo escreveu e chamou de Auto-Retrato:
“Prefiro escrever quando pinta. E pintou.
Não sou pintor, nem cenógrafo, nem professor, nem arquiteto. Ando na contramão das profissões, sou só um curioso.
“Estudar” já “estudei”, até muitos anos de piano cheguei a inventar algumas músicas. (Tenho aspasmania e outras doenças de quem mais pensa e fala do que escreve. Falta de “estilo”...)
Outro dia fui na casa do Tom Zé. Gostei (!) do Augusto de Campos que também estava lá. “Conhecer” não conhecia nenhum deles, mas amei o Augusto. Amei um quadrinho enquadradinho bem quadradinho, feito em 1972, quando Caetano foi vaiado. (Amo Cae. Ele é de Leão, meu ascendente). Tenho uma família espalhada pelo mundo, a quem eu amo profundamente, isto é, do fundo do meu coração. Quando penso neles meu coração se manifesta num suspiro, donde amo minha família do coração e dos pulmões.
Uma pessoa que só acha se perdendo (como já deve ter ficado evidente) não consegue encontrar sempre as respostas esperadas e contidas nas perguntas. Por isso, antes de ter resistido a ser um péssimo profissional eu preferi ser um amador, uma criança que promete, “artista”. Assim, pelo menos, fica sendo eu quem sempre pode fazer perguntas idiotas, indevidas, indiscretas.
As pessoas adultas não se dirigem a mim sobre assuntos “sérios”. Mas se dispõem muitas vezes a brincar comigo. Eu fico reservado para a hora do recreio. Gosto sabe!
Fiquei sendo aquele meio débil mental, porém cheio de espírito de habilidade: E reconheço que as pessoas adultas têm razão: não se pode confiar em ninguém com menos de 30 anos. São inexperientes, indiscretas. Em tudo.
No ano que vem faço 40. Isso já começa a ficar escabroso. Não pode mais ser encarado como “promissor” alguém tão “decepcionante” e fracassado em tantos territórios sagrados - profissional, econômico, político, familiar (sou solteiro) etc.
Só sendo mesmo favorecido pela natureza, mesmo. E eu sei também que daqui pra frente os recreios serão cada vez mais tristes, porque quase ninguém vem ao páteo. Todos os doentes estão em estado grave e concentrados nos seus afazeres: responsáveis, profissionais, familiares e veneráveis. Talvez nas férias, quem sabe!
Ah, meu amigo Charlie Brown, se você não fosse tão careta e tão vidrado naquela ruivinha e nesse maldito baseball, a Lucy tão neurótica, o Linus tão tímido, eu até me candidatava a Snoop. Mas Woodstock já era e eu prefiro mesmo o fundo do meu quintal, onde o mamoeiro que não tenho insiste em dar mamões ótimos. Cada macaco no seu galho, embora com tanto arboricídio é bem capaz de não sobrar nem fio de alta tensão para o pouco necessário.
Re-pouso
Quem sabe mesmo só o último! Suspiro de amor. (Dedico este fim ao Mautner)”
FLÁVIO IMPÉRIO