ARENA CONTA ZUMBI
(1965)

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    Depoimento de Flávio Império a Margot Milleret
    1985
    Acervo Flávio Império

    © Flávio Império

    No tempo do Zumbi, eu já estava mais afastado do Teatro de Arena de São Paulo. Já era freelancer.  Mas nos mantínhamos sempre muito ligados. Eu não imaginava que iria fazer a cenografia do espetáculo, porque eles montaram o Zumbi de uma maneira completamente fechada. Trancaram o teatro, botaram uma cozinheira lá dentro. Os músicos, os atores e o diretor entravam às duas horas da tarde e saíam meia noite. Ficaram lá dentro até inventar o Arena conta Zumbi. Quando eu cheguei, estava pronto. Eles me mostraram o espetáculo. Ainda estava cru, mas estava todo estruturado. E quando acabou, eu morri de rir. Falei: "Parece um bando de intelectuais, no tapete do pai, tomando uísque e conversando sobre o povo..."E a cenografia que eu fiz, foi exatamente essa. Conversando com o Boal, ele falou: - Olha, é isso mesmo, você tem toda razão, faça.

    Mexi pouco com a estrutura do teatro, resolvi revestir o chão, de um tapete caro, de nylon e bem felpudo, inclusive brilhante, uma coisa cafona de turco rico.

    Era um tapete vermelho bem grande, que a gente ganhou, e forrou o piso inteiro. E era vermelho de propósito, como uma brincadeira. E a roupa de todos eles era uma roupa que a pequena burguesia usava para ir nas universidades: calça Lee, blusão e blusa de couro. Como eram sete atores/cantores peguei as cores do arco-íris e distribuí - cada um ficou com uma camiseta de uma cor - sobre as calças de brim branco. Então ficou essa idéia, a peça se passava como se fosse na sala de visita de uma família burguesa e rica contando a história do povo.

    Zumbi tinha muito poucos elementos de cena. A música e a poesia tinham um caráter totalmente descritivo, elas contavam como eram as coisas e os próprios atores, na coreografia, criavam movimentos no espaço abstrato que ajudavam a descrever o lugar da ação, como como quando faziam os gestos da ação de plantio.

    Os atores passavam por todos os papéis, desde a aristocracia portuguesa até os negros fugidos. Era impossível você pensar em caracterizar cada personagem, eram muitos.

    O Arena conta Tiradentes, que acompanhei desde o início, também era bastante complicado, mas era formado por blocos de cenas que se passavam mais ou menos nos mesmos lugares. Havia como fazer um mínimo de caracterização de cada local. No Arena conta Zumbi era impossível, os cortes eram muito rápidos. No Tiradentes, a partir das conversas que tivemos, o roteiro foi feito de uma maneira mais clara, no sentido de estruturar a história em blocos de ação, e também criar condições ao menos, para entradas e saídas de elementos de figurino característicos de cada personagem. Foi nessa ocasião que Boal construiu a teoria da máscara, a qual não só era criada no corpo do ator, mas o corpo do ator se apoiava em um objeto ou acessório de figurino.

    Arena conta Zumbi foi muito bem recebido, porque era muito bonito, era simples, enxuto e lindíssimo. E como era muito moderna, aquela roupa, na época, todo mundo se sentia bem de ver, e nem percebia que eram eles mesmos.

    FLÁVIO IMPÉRIO

    ARENA CONTA ZUMBI
    (1965)