OS INIMIGOS
(1966)

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  • DEPOIMENTOS (1/1)
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    Trecho entrevista de Flávio Império a Maria Thereza Vargas e Mariângela Alves de Lima
    Exposição REVER ESPAÇOS
    Centro Cultural São Paulo, 1983
    Acervo Flávio Império; Prefeitura de São Paulo/ Secretaria Municipal de Cultura/ Centro Cultural São Paulo

    © Flávio Império

    Os inimigos,  de Máximo Gorki, foi uma montagem do Teatro Oficina feita no prédio onde funcionava o Teatro Brasileiro de Comédia, assim como, por exemplo, Uma rua chamada pecado foi uma montagem feita pelo Augusto Boal, diretor do Teatro de Arena, no Teatro Oficina. São coisas que aparentemente não querem dizer nada, se não se souber um pouco do que isso significava. O Oficina tinha pegado fogo e o Zé (José Celso Martinez Corrêa), desesperado, não podia crer na hipótese de uma reconstrução. Os inimigos, seria, pois, uma montagem que deveria ser feita para, juntamente com uma retrospectiva do repertório do Oficina, tocar o processo para a frente. Logo no início dos ensaios fui ver a rouparia do TBC que, naquele momento, já não existia mais nos termos que existira nos anos 50. Era um fantasma. Vi as roupas e Maria Stuart, feitas com toda a técnica artesanal que se desenvolveu em todos os andares daquele prédio da rua Major Diogo. Em um andar se trabalhava com esculturas, modelagens, móveis; noutro andar funcionavam cenografia e pintura. Cada um deles com seu responsável. Uma organização inteira montada a partir de modelos europeus, de teatros estáveis. Ver esse guarda roupa, para mim, foi uma coisa muito estranha porque eu tinha visto essas roupas em cena, com atores se mexendo e falando. Nunca imaginei que se guardassem roupas. Nos teatros onde trabalhei tudop simplesmente ia desaparecendo ou sendo reaproveitado. Não ficava muita coisa daquilo que chamávamos de "rouparia". Rouparia, para nós, era mais um depósito de trapos. As roupas do TBC tinham etiquetas, por exemplo, Tartufo, Paulo Autran (Seria Tartufo?). Mas o que sei é que era uma casaca de corte rigorosamente perfeito, feita por artesão e alfaiates que conheciam a técnica da costura mais elegante da época, com tecidos incríveis, em sua maioria importados. Então, de repente, me vi num mundo que eu não sabia que existia. E tduo empoeirado, aos pedaços, porque eram máscaras mortas, falecidas. Pensamos então em usar aquelas roupas em nossos laboratórios de interpretação a fim de que emprestassem vida a um personagem que analogicamente seria construído em ciam daquilo como matéria prima da improvisação. Enquanto isso, fiz uma documentação fotográfica incrível tirada das revistas de época. Com uma coisa e outra fomos encontrando um roteiro arqueológico, não no sentido de reprodução, mas no sentido de ilusão possível da riqueza do Czar em oposição à pobreza da empregada, digamos assim. Porque o que estava acontecendo na Rússia era um movimento de classes e isso deveria ficar presente, embora completamente ausente porque, afinal de contas, estávamos na Rua Major Diogo. Esse processo que pôde contar com restos do Teatro Brasileiro de Comédia atingiu uma linguagem que em nenhum momento desmereceu o espaço que habitava. Augusto Boal, revoltado, me disse no dia da estréia : : "Isto é coisa do TBC e não no TBC!" E a resposta que ouviu de mim foi a seguinte: "Nossa! Eu aprendi tanto com você e você se nega a aprender com os outros!"

    FLÁVIO IMPÉRIO

    OS INIMIGOS
    (1966)