TEATRO DE ARENA

A primeira referência brasileira a um teatro em forma de arena surge numa comunicação de Décio de Almeida Prado, professor da Escola de Arte Dramática (EAD), em conjunto com seus alunos Geraldo Mateus e José Renato no 1º Congresso Brasileiro de Teatro, realizado no Rio de Janeiro em 1951. No mesmo ano, essas idéias são postas em prática na montagem de José Renato, para O Demorado Adeus, de Tennessee Williams, ainda no âmbito da EAD.

A fundação da Companhia Teatro de Arena ocorre em 1953, com a estréia, nos salões do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), de Esta Noite É Nossa, de Stafford Dickens. Integram o grupo, entre outros, José Renato, Geraldo Mateus, Henrique Becker, Sergio Britto, Renata Blaunstein e Monah Delacy.

A estréia de hoje no Museu de Arte Moderna reveste-se de especial importância porque introduz no nosso teatro uma nova técnica de apresentação, em que os atores são colocados no centro da sala de exibição como nos circos, ficando circundados pelos espectadores. Referimo-nos naturalmente ao teatro de arena, idéia que nasceu nos Estados Unidos, por motivos de ordem econômica, mantendo-se e desenvolvendo-se, contudo, por motivos também artísticos, isto é, pela intimidade, pela comunicação que estabelece entre o público e os atores. - O Estado de São Paulo – comentário do noticiário teatral, sem data.


A sede da Companhia é inaugurada ainda em 1953, na Rua Teodoro Baima, 94, no centro da cidade de São Paulo. Em 1956, funde-se ao grupo inicial oTeatro Paulista dos Estudantes, trazendo à arena Gianfranscesco Guarnieri, Flávio Migliaccio, Milton Gonçalvez e Oduvaldo Vianna Filho, entre outros. Augusto Boal reúne-se a eles, recém chegado de Nova York onde estudara dramaturgia na Columbia University, além de frequentar, como ouvinte, aulas no Actor’s Studio e portanto ter contato com o método Stanislavski. Inicia-se uma nova fase de trabalhos e experimentações, dando continuidade à busca de uma linguagem original e brasileira.

É nesse contexto que Flávio Império é convidado à colaborar com o grupo. Em um primeiro momento contribui na concepção gráfica de programas e cartazes para os espetáculos A falecida senhora sua mãe e Casal de Velhos, de 1958, sob direção de Alfredo Mesquita, e Chapetuba Futebol Clube, de 1959, sob direção de Augusto Boal, para em seguida assumir a cenografia e os figurinos de inúmeros espetáculos dentre as produções do grupo, inaugurando uma relação inédita entre o projeto espaço/visual e a direção geral do espetáculo. Em 1962, quando o grupo sofre profunda reestruturação administrativa, o cenógrafo e figurinista, novamente a convite de Augusto Boal, passa a figurar como sócio, numa aliança formada ainda por Juca de Oliveira, Paulo José e Gianfrancesco Guarnieri.

A vanguarda artística da época seguiu o modelo associativo, fortemente arraigado na ideologia socialista e na “idéia da interdependência entre o produto e o modo de produção”. Flávio Império participa e compartilha dessa filosofia desde o início de sua vida profissional, seja no teatro, na arquitetura ou mesmo em sua inserção no mercado das artes visuais. O Teatro de Arena organiza-se de forma a constituir “um pequeno núcleo de estabilidade e auto-suficiência”, tornando-se referência a outros grupos insurgentes em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Do ponto de vista do espetáculo, um palco em forma de arena traz ao cenógrafo, assim como à toda a equipe e elenco envolvido em sua criação, questões particulares. Abolindo tanto a perspectiva ilusionista quanto as ocultações próprias do palco italiano e democratizando a visualidade e vivência das cenas, o formato adotado, nas pequenas dimensões do edifício em questão, provoca uma relação de intimidade e cumplicidade entre o ator e o público. Por um lado, reforça o aspecto realista da apresentação, por outro, do ponto de vista da cenografia “a arena provoca um distanciamento, na medida em que deixa exposto o caráter ficcional da representação. É esse dilema que Flávio Império resolverá ao ingressar no Teatro de Arena para realizar a cenografia e os figurinos de Gente como a gente (texto de Roberto Freire e direção de José Renato). Segundo Augusto Boal, só então o grupo compreende as implicações significativas dessa opção arquitetônica.”

A cada produção o desenho do espaço cênico proposto por Flávio Império seguirá diferentes partidos plástico/espaciais. Se em Pintado de alegre, com texto de Flávio Migliaccio e direção de Augusto Boal, montado em 1961, ou até em Os fuzis da Senhora Carrar, com texto de Bertolt Brecht e direção de José Renato, de 1962, o cenário e os figurinos aproximam-se de uma representação naturalista, mesmo que evocando mais a atmosfera do que o retrato da realidade, em Arena conta Zumbi, a abstração toma a cena – o felpudo carpete vermelho tinge o espaço enquanto calças brancas e camisetas coloridas fazem as vezes de vestimenta de personagens de época.

Em O filho do cão, com texto de Guarnieri e direção de Paulo José, o exíguo espaço do palco é multiplicado pela fabricação de planos no sentido vertical, enquanto em Arena conta Tiradentes ou em O melhor juiz, o rei a horizontalidade é aproveitada para que, com pequenos praticáveis se estabeleçam pontos de referência para as ações e o estabelecimento de hierarquias entre os personagens.

“É difícil saber até que ponto a influência da teoria brechtiana contribuiu para que Flávio Império se decidisse por um tratamento não ilusionista da arena, mas o fato é que optou por exibir a produtividade da cena. De qualquer forma, antes de saber quem era Brecht, optara, ainda na Comunidade de Trabalho Cristo Operário, por soluções nitidamente simbólicas. “Por trás, quatro ou cinco bolas de gás presas no chão transformaram aquele canto imediatamente num jardim florido”, relembra Maria Theresa Vargas.”

Sua visão particular sobre as relações entre o espaço da cena, o espaço do edifício e o espaço da cidade fizeram com que, muitas vezes, reformas e rearranjos arquitetônicos fossem realizados tendo em vista a melhor forma de conformação para determinado espetáculo. Como nos diz José Celso Martinez Corrêa “Flávio trazia o conceito da inexistência de fronteiras entre o teatro, a arquitetura e o urbanismo.” Porém, a contribuição de Flávio Império no Teatro de Arena ultrapassa as questões específicas espaço/visuais. Segundo depoimentos dos inúmeros parceiros, podemos perceber a extensão da influência de seu modo original de convivência criativa.



nota bibliográfica: as citações constantes neste texto foram retiradas de "Flávio Império e a Cenografia do Teatro Brasileiro" de Mariangela Alves Lima, publicado no livro FLÁVIO IMPÉRIO, Renina Katz e Amélia Império Hamburger (organizadoras). São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 1999.

Cenografia e Figurinos de Flávio Império para o Teatro de Arena

GENTE COMO A GENTE

de Roberto Freire

direçåo Augusto Boal

1959

PINTADO DE ALEGRE

de Flávio Migliaccio

direçåo Augusto Boal

1961

O TESTAMENTO DO CANGACEIRO

de Francisco de Assis

direçåo Augusto Boal

1961

OS FUZIS DA MÅE CARRAR

de Berthold Brecht

traduçåo Antonio Bulhões

direçåo José Renato

1962

O MELHOR JUIZ, O REI

de Lope de Vega

adaptação Gianfrancesco Guarnieri , Augusto Boal e Paulo José

direçåo Augusto Boal

1963

O FILHO DO CÃO

de Gianfrancesco Guarnieri

direçåo Paulo José

1964

ARENA CONTA ZUMBI

de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal

direçåo Augusto Boal

1966

TEMPO DE GUERRA

de Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal e Edu Lobo

Poemas de Bertold Brecht

direçåo Augusto Boal

produçåo Teatro de Arena

local Teatro Oficina - Såo Paulo

1966

ARENA CONTA TIRADENTES

de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri

direçåo Augusto Boal

1967

PROGRAMA
EM CENA
CONVITE
REGISTRO

PINTADO DE ALEGRE (1961)

OS FUZIS DA MÃE CARRAR (1962)

O MELHOR JUIZ, O REI (1963)

ARENA CONTA ZUMBI (1965)